TESTEMUNHOS


Nesta seção estão os testemunho dos homens sobre a relação que têm com o corpo no seu dia a dia, em relação com a sociedade, o trabalho e muitas situações que envolvem o corpo masculino. 

Você também pode dar o seu, envie para o email eunegrofalo@gmail.com informando ocupação/atividade, cor de pele e idade. Não precisa ser negro para participar.

"Minha primeira noção sobre meu corpo se deu na adolescência, quando colegas de classe começaram a reparar em mim não como alguém pra namorar, mas como um garoto interessante pra 'pegar no sigilo'. Diferente do que eu notava com outros garotos, ninguém me indagava sobre o que eu gostava ou deixava de gostar, viagens que havia feito, sonhos etc. Ninguém me perguntava nada através de bilhetes ou nos cadernos de perguntas (meios comuns daquela época de satisfazer curiosidades sobre paqueras).
Antes disso, cabe ressaltar que sou nascido e criado em Santa Catarina, numa região de colonização predominantemente alemã, seguida pela italiana. Sempre fui o único garoto negro da sala. Sendo assim, durante a infância, era considerado feio. O cara que poderia ser legal, talvez até amigo, mas não necessariamente pra se levar em casa pra fazer tarefas escolares.
Se algo sumia, 'foi o neguinho'. Brincar de pega-pega? O neguinho pega. Jogar bola? Aí sim 'o neguinho vem pro meu time'. Mas quando rolava briga com colegas de turma o coro era: 'seu preto', 'seu nego', 'seu neguinho'.
Na adolescência fui revistado algumas vezes na rua pela polícia, seguido por seguranças de shoppings e lojas e, aos 18 anos, cheguei a ser parado, a pé, numa blitz para carros.
Do início da fase adulta até hoje, me relacionei por muitas vezes com pessoas brancas, mas em inúmeras sentia que meu corpo passava mensagens que não conduziam exatamente com quem eu mesmo julgava ser. Situações como de alguém encostar em mim e exclamar 'nossa, como o negro é quente!', até comentários diretos no início da paquera, do tipo: 'nossa, você deve ter um pauzão, né!?'.
Houve caso de me relacionar com alguém e, num dado momento, ficar claro que todos os amigos dele conheciam com detalhes o meu corpo e meu desempenho sexual. Neste caso, especificamente, cheguei a conclusão de que não se tratava de uma relação de amor, mas de desejo simplesmente, da parte dele, claro.
O resultado de me sentir por inúmeras vezes um fetiche, o ideal de um amante negro, é que hoje tenho certa dificuldade para me relacionar com homens brancos.
Profissionalmente já ouvi coisas absurdas, como um patrão que, supostamente gostava de mim, me dizer que eu era especial por ser o único preto limpo que ele conhecia.
Inúmeras vezes me vi testado no trabalho, precisando comprovar competências que colegas brancos não precisavam, ou simplesmente não tinham.

Já me delegaram tarefas que nada tinham a ver com a minha função/formação, enquanto nenhum colega branco havia recebido tal incumbência em momento algum.

Eu, preto, jornalista, 35 anos

"Minha concepção sobre o corpo negro, nos dias atuais, é que ainda há muito preconceito e muito estereótipo. Onde o corpo negro se torna objeto, em servir para sexo ou para trabalho que requer força.

Já passei por preconceito, e de gente da própria cor, porém com uma condição financeira melhor do que a minha. O louco é que foi um preconceito racial, se fosse um preconceito de condição econômica não diria nada, mas preconceito racial. Mas o preconceito por conta da cor do meu corpo é maior. Já fui enquadrado pela polícia. Já passei na rua e as pessoas tomaram susto ou esconderam o celular.

Eu, hoje em dia, trabalho como Garoto de Programa, muitos clientes me procuram pelo tamanho do meu pau, pelo corpo e pela beleza - que dizem que tenho. Mas, de uma forma geral eu me sinto objeto de prazer, pelo simples fato de ser só aquilo. Só ser sexo. Não existe o querer saber como você está. Existe o querer em saber como a sua libido está. E o negro e a negra passam muito por isso. A negra é lembrada pelo bundão, pelo peitão... o negro pelo pauzão. E isso eu gostaria que mudasse. ' Ah! Mas você não gosta de que te achem gostoso?' Claro que eu gosto. Todo mundo gosta. Melhora a auto-estima. Porém tem o seu limite.

Muitas pessoas se aproximam não interessados em ser meu amigo ou minha amiga. Vêm interessados em sexo. E eu identifico. E mesmo nestas situações, eu tento não abaixar minha cabeça, porque neste meio - do trabalho com sexo - que é uma das profissões mais antigas que existem, há preconceito. Então, porra!, eu sou preto que sofre preconceito e garoto de programa que é uma profissão também que sofre preconceito - não é vista como trabalho, me consideram vagabundo por considerar um trabalho fácil -...é complicado." 

Eu, negro, profissional do sexo, 24 anos.

"Minhas bochechas... Pensando sobre as primeiras lembranças do meu corpo eu lembro de como as pessoas apertavam minhas bochechas quando era pequeno. Cabelo e olhos claros, gordinho e saudável eu devia despertar algum tipo de ataque de fofurice nas pessoas. Então a primeira lembrança do meu corpo é dor. Dor que aperta e sufoca. Eu tinha medo de ser devorado em um ataque antropofágico. Tinha medo de perder partes do corpo... Braços, pernas e bochechas.Quando me tornei adolescente meu corpo não cresceu em altura e músculos. Permaneci gordinho com um ar infantil. Talvez por medo eu queria ficar na infância. Tinha medo de que houvesse algo de errado comigo. E havia: eu estava percebendo que era gay. Então meu corpo virou uma prisão revestida por gordura. Eu comia para manter as pessoas sem qualquer desejo sexual por mim, eu não saberia lidar com aquilo. Então meu corpo virou prisão. Vivi nela por anos.Um dia pensei que talvez o que tivesse além da prisão não fosse tão ruim assim. Resolvi experimentar. Emagreci e o sexo aconteceu. A primeira vez que entendi meu corpo foi com sexo. Era bom ter um corpo. Comecei a fumar e a fazer academia. Isso era másculo, eu queria um corpo másculo. Há tempos entendi que gosto do meu corpo. Ele se transforma e eu o transformo e ele me transforma. Meu corpo esta envelhecendo. Tenho rugas que decidi não apagar, cabelos brancos que não vou pintar... Finalmente estou em paz e curtindo meu corpo. Velho, jovem, gordo, magro,bonito ou feio já não importa mais... É a liberdade enfim"

Eu, branco, coach e psicanalista, 47 anos 

"1 -  Não sei o que é ter um corpo negro. Mas sei o que é ter um corpo branco, que foi excessivamente magro e peludo numa altura, nos anos 90, em que os pelos estavam absolutamente fora de moda. Havia muito pudor em tirar a roupa no balneário. A nudez era a antecâmara da vergonha. E por isso era só minha. Magra. Peluda. Solitária. 

2 - Corpo magro masculino é corpo efeminizado. E consequentemente desvalorizado. Depois houve um momento em que descobri o corpo do outro e com isso aprendi a descobrir e a valorizar o meu. O pudor deu lugar a uma aceitação gradual. E a aceitação gradual chegou a níveis inesperados: passei a ser nudista. Mais do que gostar de estar nu na praia, gosto de nadar sem sunga, sem panos que se me colem às pernas e às partes e que me deixam uma desagradável sensação. 

3 - Amadureci. O corpo continua magro, mas passou a ser modificado pelo desporto. São Pilates me protege e tonifica. Amen. Os pelos, entretanto, viraram moda. A pogonofilia entrou para o dicionário dos fetiches. Eu aderi. Não tiro a barba e não rapo os restantes pelos do corpo. 

4. Vou envelhecer. A pele vai ficar flácida e o creme não vai resolver - só dar a ilusão, ao longe, da resolução. A magreza vai ceder lugar à barriga. S. Pilates protege, mas não para sempre. O cabelo vai cair. Alguns pelos também. E eu vou pedir que o meu corpo não me atraiçoe por dentro. Já que vai, inevitavelmente, me  atraiçoar por fora."

Eu, branco, diretor de comunicação, 39 anos

"Eu olho, eu não observo, eu olho. Encaro, e vejo. Vejo de frente. Vejo os pelos, as reentrâncias, as entradas. Eu olho as veias saltadas do braço, do antebraço, do pescoço. Eu sinto os calos nas mãos espalmadas contra o meu peito. Sinto o peso. O peso do tempo, o peso de um homem que carrego nas costas, que carrego no colo, que carrego comigo, que carrego em mim. Agora eu vejo. Vejo o olho que me encara. Vejo a sobrancelha grossa acima do olho que me vê, vejo também o queixo. O maxilar, o homem"

Eu, branco, ator, 51 anos

"Eu sou artista circense, carioca, negro, mas também não me importo de como me chamam: negro, preto, negão, moreno, afro descendente, desde que me respeitem, podem me chamar ou classificar a cor da minha pele como preferirem. Tenho muito amor pelo meu corpo, pois é dele que me mantenho. O artista deve zelar pelo seu corpo, pois é a principal ferramenta de trabalho. Hoje, vejo que eu sou feliz pelo que sou e pelo que tenho"

Eu, negro, artista circense, 29 anos

"Minha relação com meu corpo suscita de cara o quanto minha expressão corporal devia incomodar alguns meninos à minha volta na adolescência, visto que eu, por ter um certo nível de asperger, ou seja, um nível de autismo, sempre fui mais introspectivo e muito sensível às ações do mundo exterior, imprimindo no meu gestual uma delicadeza estranha ao universo masculino e púbere. Logo, antes mesmo de eu detectar de maneira mais consciente minha sexualidade, ela já falava por mim na construção de uma vivência psicomotora que não encontrava nos truculentos garotos jogadores de futebol nenhuma afinidade simbiótica a princípio. Aos 16, 17 anos, exatamente quando comecei a sair mais, a descobrir lugares gays que ventilassem a sufocada orientação sexual, comecei a frequentar uma academia e minha relação com meu corpo melhorou e questões de insegurança oriunda de auto-imagem foram se resolvendo. Até o final da adolescência eu era mais magro porque cresci muito em altura e não praticava quase nada de esportes, vivia mais na bolha mental. A musculação foi o primeiro passo de busca de auto-estima corporal e porque não dizer holística, e aos 19 fui estudar Dança numa escola que primava por técnicas que passam pela auto-descoberta, então posso dizer que foi um privilégio. Desde então comecei a trabalhar como bailarino e terapeuta corporal, assim como massoterapeuta, de forma a poder trabalhar no meu próprio corpo e no das outras pessoas, um ouvido atento aos fluxos internos em diálogo com as demandas externas na busca de uma saúde corporal, ou seja, força, maleabilidade, expressividade, singularidade e equilíbrio."

Eu, branco, terapeuta corporal, bailarino e ilustrador, 38 anos 

"...quando ia fazer testes eu não era nem branco e nem preto, porque o meu pai é branco e a minha mãe é muito negra. Então, eu sou moreno, cabelos lisos e nunca fiquei preso a esse padrão de negro e de branco, mas a sociedade sempre me cobrou isso: se eu era branco, ou se eu era preto. Depois, quando eu comecei a usar dread tive uma outra informação das coisas. Porque as pessoas já me viam de uma forma diferente. 'Ah! esse cabelo ... esse cabelo é tão bom por que você faz dread?' - questionavam. Logo depois, eu passei a me tatuar e passei a ser exótico.

Eu demorei a aprender a lidar com isto profissionalmente, mas depois eu vi que era isso que eles queriam de mim. Do negro que é gostoso, que seduz. Do negro que tem jogo de corpo. O negro que pensa - intelectual -, que sabe da sua origem e sua história, ele tem mais dificuldades aqui, porque as pessoas querem o negro fácil, o negro risível, o negro Benjamim de Oliveira - palhaço - até hoje, profissionalmente... ou o jogador de futebol, ou o cantor de pagode. Agora, o negro intelectual é bem complicado. Mas, esse corpo que as pessoas veem dessa forma pra mim é um corpo sagrado, porque é um corpo que carrega toda a ancestralidade. Eu carrego dentro de mim tudo que veio de África, de Portugal, também, que veio dos Orixás. Então, é isso que eu quero, através do meu corpo perpassar... ser um caminho, uma transmissão desse legado para os que vem de todas as raças, de todas as orientações, de todos tipos. Temos que mostrar que somos ricos. Quando a gente se mistura, quando a gente faz a amalgama, aí a gente se fortalece."

Eu, negro, ator e dançarino, 52 anos.

"O corpo é algo de perfeito, de único na sua imperfeição, quando admirado. Corpos esteriotipados, onde mais cedo ou mais tarde caimos num molde do qual recusamos pretencer, e enquanto não aceitamos que pretencemos a esse molde, não usufruímos em pleno de tudo.

E mesmo quando não encaixa nos padrões a atitude prevalece, uma postura ou atitude estraga tudo ou enaltece tudo.
No entanto, "certo" e "errado" não existem no sexo entre adultos consensuais.

A mecânica do desejo, primitiva, corporal e imprevisível, vive balizada pelo que a maioria sente como normal.
É verdade que as fantasias podem ser isso mesmo, apenas fantasias, ou podem nos fazer tremer e faltar o ar só de pensar colocá-las em prática, mas aconteça o que acontecer, a cada fantasia realizada outra surge com maior conhecimento de causa do meu próprio corpo, do que me faz vibrar. Prometo pecar. Viver o momento. Recuso-me a proibir-me.
Porque é que pensam que tomar a iniciativa é mais facil? Apenas já se tentou e algo não chega... será que algum dia vai chegar? E não é um chegar de "vir a tempo" é antes um chegar de "ser suficiente", viver com pouco não me importo, mas viver de pouco "não obrigado".
Somos todos avariados.
Portanto uns trazem mais "vantagem" que outros. Desligamo-nos quando achamos que estamos a perder o interesse. Mesmo em coisas simples como roubar um sorriso ou fazerem puxar por nós.
Expectativas. Usar e ser usado com um objectivo, com uma partilha, com uma sede. E não é bom nem mau. É humano. Um dia usar. Outro ser usado. Troca justa? Ver a expectativa e optar. Se não estas bem sai. Até que não haja mais vontade de sair, até que sintas vontade de ficar e aprende mais sobre ti mesmo.
Treina o "egoísmo saudável".
Necessidade parva de aprovação de dependência de agradar os outros.

A unica coisa que me arrependo é o que não fiz por medo do que os outros pensavam. A vida passa tão rápido. E é tudo tão intenso apenas na minha cabeça. Que fica a vontade de QUERO MAIS"

Eu, branco, artista, 42 anos



"Eu, um negro oriundo de uma classe urbana pobre dos anos 80 pra 90, onde a discriminação ainda estava no seu processo hipócrita de velação, frequentador de lugares de encontro de classes, e com uma educação ainda moldada pra me gerar proteção e autoestima. Aprendi, pela experiência de contato social, o quão diferente eu seria! Toda a cultura em volta de mim, na infância, enfatizava as diferenças de cor (de pele) e, na maioria das vezes, não exaltava a minha (cor) frente as demais. O que na infância não tinha sentido - já que mais tarde entenderia que as únicas referências positivas estavam valorizadas na sexualidade. Reduzia a minha autoestima, pois não tinha sentido a socialização através da sexualidade na infância. As referências se pautavam mais nos apelidos do que em qualquer qualidade de beleza ou saúde. Resumindo, foi um processo difícil aceitar como um verdadeiro rei Africano que sou! Aprendi com os novos tempos, quando a autoestima negra ganhou espaço no progressismo ativista, que nunca houve falta de referências negras pra eu me espelhar, só que em uma balança, elas tinham mais espaço de abominação do que exaltação.

Nós negros partimos de uma filosofia básica, distribuída entre gerações pelos nosso pais, mães e avós, e escutei muito sobre isso ao pé dou ouvido: 'Você tem que estudar, porque nós que somos negros temos que ser sempre os melhores!'. Um verdadeiro clamor para que a gente entendesse que o momento apenas ser negro não seria suficiente pra estar feliz consigo mesmo e na sociedade. Sempre vi meu corpo como um instrumento muito precioso e conforme crescia, os dotes físicos traziam a diferença que esse meu corpo tinha a oferecer em benefício da minha autoestima. E quando dei por mim, me vi apegando a uma porção de vantagem dos catálogos existentes sobre o corpo negro na sociedade, mesmo sendo catálogos construídos na ignorância nas épocas mais cruéis. A força física, a "beleza negra", o erotismo eram os pontos que me apoiei com veemência pra seguir a trajetória dos vencedores, mas eu tinha um trunfo que me fez vitorioso no domínio de mim: ter interpretado com inteligência e não com emoção 'Você tem que estudar, porque nós que somos negros temos que ser sempre os melhores!' "

Eu, negro, dançarino, 31 anos

"Eu já tive desejo de ser mais forte, mais magro, mais sarado, definido... mas, o que construí aos meus 40 anos é um entendimento de que ele é resultado do que fazemos ao longo de nossa vida. É tão importante a "aceitação" de suas curvas, seus tamanhos, suas linhas... e assim nos tornamos mais atraentes, mais saudáveis, mais integros. Meu corpo é minha casa, entao preciso viver em harmonia com ele."

Eu, branco, ator, 40 anos

"...é uma coisa que eu já ia falar... ia fazer mesmo um vídeo pra falar sobre essa questão do corpo do homem negro, do assédio e do fetichismo em cima do homem negro, porque muito se fala do corpo feminino, né, mas nós homens sofremos muito com esta questão do homem negro ter pau grande, do homem ter que ser assim, ter que ser assado, tem que ter pegada, tem que ser isso, tem que ser aquilo... ainda mais quando é nordestino, ainda mais quando é baiano. Então, eu tô num lugar muito... tô num lugar muito... estou prestes a completar 38 anos, e na minha cabeça isso está muito latente o tempo inteiro. Em todo o lugar que eu vou, em qualquer cidade. Estava no Rio foi assim, tô em São Paulo é assim, estava em Porto Alegre, antes, e foi assim também. Então as pessoas esquecem que ali habita o ser humano. Ali habita uma pessoa que tem sentimento. Ali habita uma pessoa que tem história, que tem ancestralidade, sendo branco, sendo negro, sendo índio - eu tenho descendência indígena, também - as pessoas não olham muito: 'Ah, porque você é assim? Porque você tem ascendência assada (sic)'. As pessoas querem que você seja perfeito. O homem também está neste lugar de cobrança, na sociedade. Ainda mais com um público gay, ainda mais com um público GLS..."

Eu, negro, ator, 37 anos

"A minha relação com o corpo se transforma à medida que vou crescendo e amadurecendo. Lembro, quando adolescente, ao sair do banho, passar correndo da frente do espelho. Acho que tinha vergonha de me ver nu. Depois o nu masculino tornou-se natural, mas não o meu corpo. Ainda tinha vergonha de ficar nu num vestiário. Depois, a necessidade de cuidar do corpo pelos relacionamentos afetivos e a cobrança da sociedade, me fez recuperar o corpo atlético que outrora tive na época da adolescência (sempre pratiquei esporte e dança). Hoje, com a idade, me relaciono muito bem com ele, embora ainda, por conta da própria idade e sedentarismo imposto pela vida corrida, sinta vergonha."

Eu, branco, produtor, 52 anos

"Sou o maior e mais fiel amigo do meu corpo. Desde a minha adolescência, percebi que ele é um parceiro que tenho e que preciso muito dele. Gosto de tocar, mexer, girar, forçar e até bater nele, se for o caso. É impressionante como o meu corpo fala comigo todo dia. Não tem um dia sequer que o meu corpo não puxe um papo comigo. Infelizmente, admito que tenho dificuldade em ouví-lo com tanta clareza. Às vezes me faço de surdo. E é nessas vezes que pago com o próprio corpo o que eu não quis ouvir dele mesmo. Eu amo o meu corpo. Eu tenho tesão pelo meu corpo. Narcisista ou não, tenho plena clareza de que dependo dele pra 98% da minha vida. Os outros 2% são para alma. Até esse exato segundo, não vi o corpo da minha alma e nem quero ver."

Eu, enferrujado, ruivo de nariz largo, ator, de quase quarenta anos

"Meu corpo é o navio cadeia que carrega a minha alma. Cada dia meu corpo cai, cada dia minha alma cresce. Meu corpo é o espelho imperfeito que reflite a minha essência e a minha energia. Meu corpo é a imagem que me identifica. Sou meu corpo para os outros. Meu corpo não me pertence. Meu corpo me surpreende, meu corpo não me responde, meu corpo me decepciona. Com o tempo, meu corpo aprendeu a ser mais dócil. Com o tempo meu corpo ficou mais familiar, quase amigo. Passei a chamar suas rugas de minhas, passei a amar as suas cicatrizes. Meu corpo é uma partida perdida. Já sei que nunca nos encontraremos."

Eu, branco, ator, modelo e cantor, 47 anos

"Meu corpo é flacido, matéria que escama, descama, se corta. Matéria que transborda a matéria, matéria que encontra matéria. Todo corpo esbarra, encosta, se suja, se joga. Todo corpo nasce, estica, deforma. Todo corpo é corpo, é dentro e fora. E eu sou corpo também, corpo parcial, corpo sem dono, corpo meu, corpo dele. Mas sei de uma coisa: não sou corpo só. Sou corpo com corpos, corpo que encontra outro corpo, que dança, roça, choca. No fim somos esses corpos que chocam-se, se comunicam, devoram, analisam. Mas sobretudo de corpos que não são nossos, pois o corpo é de tudo isso que alimenta a relação, externo e interno em uma conversa com o outro. O momento primeiro do eu é o outro.

Eu, branco, advogado e estudante, 25 anos

"Meu corpo nada mais e que a morada da minha alma, que em constante mudança me traz o equilíbrio entre saúde e vaidade. Tenho um amor enorme por ele. Esse equilíbrio entre vaidade e saúde faz do meu corpo a morada ideal para minha alma e permite que me sinta feliz exatamente como eu sou. Essa relação de amor é perfeita para uma vida segura e saudável, onde faço dele parte intocável e indestrutível."

Eu, pardo, técnico de enfermagem, 38 anos 


"A minha relação com o corpo sempre foi de não me sentir bonito, quando eu era mais jovem, porque eu era muito magro, bem magro mesmo. Eu sempre tive esse problema. Até entrar para academia, treinar e cuidar mais do corpo e me sentir bem, olhando no espelho. É por isso, que malho para olhar no espelho e ver uma forma física que me agrade. Sempre tive uma boa relação com corpo, fora esta questão. Hoje em dia, eu tenho mais percepção e tranquilidade com o corpo."

Eu, negro, ator e modelo, 33 anos

"A cada década me sinto desafiado a compreender o meu corpo. Um corpo que se transforma, que não pode querer voltar a ter 10, 20 ou 30, mas que continua tendo vigor, pulsando e se reinventando a cada nova fase. Que me ajuda a experimentar um novo 'eu'. Uma nova forma de me conhecer."

Eu, branco, professor, 43 anos

"... falar corpo, pra mim, é um pouco complicado. É um assunto meio delicado. Hoje em dia, eu tenho um corpo malhado. Eu corro muito atrás disso, mas no meio que a gente vivi, né?, até o próprio meio gay, né? Então, é muita aparência, e você acaba tendo aquele músculo como uma arma, uma armadura para se proteger de ataque, se proteger de preconceito. Você acaba se protegendo de coisas infinitas... de certa forma é uma vaidade, mas é uma insegurança. Você sabe que tendo aquilo você se sobressaia. Quem está falando é uma pessoa que sofreu bullying na adolescência... sofreu por ser gordinho... sofreu por ter feito vários regimes esquisitos, até ao ponto de vomitar. Falar de corpo para mim é isso, falar da minha história e adolescência."

Eu, branco, consultor de vendas, 28 anos

"Nem sempre amei o meu corpo. Hoje, às vezes, não o amo tanto quanto deveria. Eu busco aceitação em mim e no outro, sem rodeios, isso é quase que normal na sociedade que vivemos. Tenho aprendido a aceitar o que não posso (ou não devo!) mudar, como diz na famosa oração de Boecio, filósofo romano, e que é tão atual. ACEITAÇÃO! Inclusive a aceitação de também querer mudar por mudar, a gente pode, eu posso, mas por mim, sempre por mim. Hoje ainda vejo meu corpo como uma tela sem rabiscos que precisa ser moldada. Mas até que ponto essa tela vazia já não é o moldado? Existem essas reflexões nesse também corpo."

Eu, branco, artista, sem idade

"Há sempre uma noite para quem quer vencer a si mesmo. Uma noite limitada no tempo para quem observa, enorme para quem se desloca. Meu corpo é testemunha deste percurso. Deslocado de onde o fogo se instalou ele se mexe como uma língua de cinza desprendida. E alguém me pede: fala, canta, dança! E eu faço peixes onde existem raizes, líquidos das pedras. Dividido sou dedicatória trágica e poética da minha existência. Branco, 28 anos, artista sou o anjo e o leão dos meus dias. "

Eu, branco, artista errante, 28 anos

"Eu fui atleta e meu corpo sempre foi muito exposto. Sempre fui desejado. As meninas comentavam sobre a minha bunda e barriga, mas sempre tive vergonha dos meus braços por achar eles finos demais para o meu corpo. Por ser atleta, nunca tive um cuidado estético mas cuidava devido ao esporte."

Eu, negro, velocista 100m , 26 anos

"Minha relação com  corpo ,era de alguém que tentava ter uma relação harmoniosa com quem não tem a mínima intimidade.
Não entrávamos em acordo até os meus 18 anos, já que não tinha o tipo físico que gostaria.
Com o tempo aprendi que a relação com o corpo é uma relação de cuidado e dedicação, deve ser encarada como algo sério, não só por questões estéticas, mas sim por questões relacionadas a nossa saúde mental e física."

Eu, negro, Supervisor Administrativo, 33 anos

"Sou o carrasco do meu corpo. Imponho a ele o extremo e ele me entende, pois é promíscuo como eu, e é nesse lugar que fazemos a comunhão e nos tornamos um só, vivos."

Eu, pardo, ator, diretor e roteirista, 54 anos.

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